segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

IGAC: SERÁ DESTA QUE VÃO REFLECTIR?


No dia 10 de Novembro deste ano que agora finda foi conhecida mais uma senteça decorrente de uma acção fiscalizadora por parte da IGAC. Uma colega nossa foi acusada da prática do crime de Usurpação de Direitos de Autor por ter a alugar na sua loja videogramas com selo rosa do filme “Chicken Little” título que, como todos sabem, apenas saiu para aluguer largos meses depois de sair para venda directa.

O que já se torna repetitivo é a conclusão destas sentenças. Esta, como todas as outras que já foram proferidas sobre esta matéria, terminam com a seguinte frase: “Pelo exposto, o Tribunal julga improcedente, por não provada a acusação, em função do que, absolve a arguida [...]”.
Mais uma vez, um Tribunal entendeu que o distribuidor não tem legitimidade para restringir o aluguer quando o autor não o fez. Mais uma vez um Tribunal entendeu que o distribuidor abusou no uso do seu contrato de licenciamento ao não exercer o direito de aluguer que tinha contratado tendo assim violado a sua obrigação contratual.

A Lei do Direito de Autor e Direitos Conexos é muito clara: Quem adquire os direitos de publicação (e, extensivamente de edição) é obrigado a distribuir e vender a obra (art.º 83.º e 147.º do CDADC). Para que não restem dúvidas sobre o significado do termo “distribuir”, diz o art.176.º do mesmo código: “Distribuição é a actividade que tem por objecto a oferta ao público, em quantidade significativa, de fonogramas ou videogramas, directa ou indirectamente, quer para venda quer para aluguer”.

O aluguer e a venda são tutelados e valorados de forma diferente no CDADC. As distribuidoras têm todo o direito de não quererem explorar o mercado de aluguer. Agora, se não têm interesse nisso, puro e simplesmente não adquirem esse direito. Contratanto, têm que o exercer!
É bom voltar um pouco atrás para pensarmos sobre o que originou tudo isto. Somos então remetidos para a Directiva Comunitária 92/100/CEE do Conselho, de 19 de Novembro de 1992 que veio legitimar os famosos selos rosas que interditam o aluguer.
A ratio da Directiva nunca foi, de forma nenhuma, acabar com o aluguer. Aliás é a própria Directiva que diz no seu prelúdio: “Considerando que o aluguer e o comodato de obras protegidas por direitos de autor e realizações protegidas por direitos conexos desempenham um papel de importância crescente, em especial para os autores, artistas e produtores de fonogramas e filmes, cada vez mais ameaçados pela «pirataria»” (e estávamos em 1992... imagine-se agora!). Claramente, o objectivo da Directiva foi criar mecanismos para que fosse possível remunerar de forma diferenciada o direito de aluguer e o direito venda.

O selo rosa acaba por dar corpo ao art. 1.º da Directiva que permite ao Estado a criação de mecanismos que autorizem ou proibam o aluguer. Faz sentido. Se um autor ou produtor pretende receber “X” pela venda dos seus videogramas, entende que deve receber pelo aluguer dessas obras “X+Y”, logo o preço desses videogramas não podem ser iguais. Assim, criou-se um selo interditando o aluguer para, no fundo, poder-se praticar um preço diferenciado entre a venda e o aluguer. Tão só.

Mas é isso que acontece hoje? Não! O selo está actualmente a servir para aniquilar o aluguer, para acabar com essa indústria de forma a obrigar o consumidor a comprar as obras. Sejamos claros, a verdade é que hoje em dia 80% (!!) dos títulos existentes no mercado não são lançados no mercado de aluguer. Está-se com isto a vedar o acesso das obras culturais ao comum cidadão que não está para comprar um filme que nunca viu, correndo o risco de comprar algo de que não gosta, ou pior, a deixar que o consumidor caia na tentação de recorrer à pirataria para ver um filme porque de outro modo não consegue fazê-lo. Atinge-se assim o objectivo diametralmente oposto daquilo que se procurou com a Directiva.

Mais grave ainda. Este desvirtuar da Lei só acontece porque o Estado, através da IGAC, assim o está a permitir. Já foi alertado para isso, nomeadamente com o acumular de derrotas nos Tribunais, mas insiste no erro. Quando o CDADC no seu art. 68.º al. f) diz que cabe em exclusivo ao autor autorizar qualquer forma de distribuição do original ou de cópias da obra, tal como venda, aluguer ou comodato, dever-se-à ter em linha de conta, para uma correcta interpretação da norma, o que está estabelecido a nível comunitário. E aí a Directiva, que esteve na origem dessa alínea f), não podia ser mais clara: “O direito exclusivo de permitir ou proibir o aluguer e o comodato pertence: ao autor, no que respeita ao original e às cópias da sua obra; ao artista intérprete ou executante, no que respeita às fixações da sua prestação; ao produtor de fonogramas, no que respeita aos seus fonogramas, e ao produtor das primeiras fixações de um filme, no que se refere ao original e às cópias desse filme.”

Parece então evidente que a lei quis atribuir ao autor, e só a ele, o poder de proibir o aluguer. Se o autor não o fizer, nunca e em caso algum pode vir o distribuidor nacional fazê-lo. Cabe à IGAC, sempre que um distribuidor pede a emissão exclusiva de selos rosa de uma determinada obra averiguar se, efectivamente, o autor ou produtor proibiram o aluguer.

Entendamo-nos! A IGAC é um orgão administrativo do Estado e o Estado é, ou melhor, tem de ser uma Pessoa de Bem. Assim, várias questões se levantam: Uma pessoa que menospreza as decisões judiciais, que continua a agir como se essas decisões não existissem é uma Pessoa de Bem? Até onde irá a prepotênsia da IGAC achando que a sua interpretação da Lei é inatacável? Quantos mais inocentes terão que passar pela humilhante experiência de verem o seu material apreendido para só muito mais tarde recuperarem esses bens cujo valor comercial entretanto se deteriorou de forma irreversível? Quantas mais pessoas terão que ver a sua liberdade restringida, prestando Termo de Identidade e Residência, de forma manifestamente injusta? E o próprio Ministério da Cultura não toma uma posição nesta matéria? É tolerável que um órgão estatal seja repetidamente derrotado em Tribunal e que, ainda assim, não corrija o seu modus operandi?

Esperemos que com o novo ano surja uma nova IGAC, uma IGAC que não se limite a servir de prestadora de serviços das distribuidoras nacionais mas sim que cumpra todas as missões que a Lei lhe atribuiu. E estou-me a lembrar da defesa e protecção da propriedade intelectual, aguardando que a partir de agora essa protecção não se resuma a entrar por lojas e feiras dentro, mas sim que olhe definitivamente para o que se passa no mundo cibernético para que acabe a pouca vergonha, a anarquia e o sentimento de impunidade dos quais os piratas gozam na actualidade.
E não me esqueço da obrigação legal da IGAC de “apresentar propostas de medidas legislativas […] relativamente a crimes contra propriedade intelectual” sabendo que hoje em dia a lei inviabiliza completamente a investigação criminal de quem faz uploads ou downloads ilegais e que não há notícia da IGAC algum dia se ter manifestado sobre esse assunto.
E, já agora, que seja uma IGAC mais adulta, que não reaja como uma criança mimada quando é contrariada, aumentando significativamente as acções de fiscalização sobre os videoclubes, simplesmente porque a associação representativa do sector usou um mecanismo legal contra a mesma para defender os seus direitos. Vamos esperar...

Sem comentários: