terça-feira, 11 de novembro de 2008

Carta Aberta Ao Senhor Euro Deputado Carlos Coelho

Exmo Sr. Euro Deputado Carlos Coelho:

Hoje é um dia particularmente triste para os verdadeiros amantes da música e do cinema. Hoje foi dado o derradeiro golpe, o golpe que vai matar a médio prazo toda a indústria musical e audiovisual e, infelizmente, o senhor deputado orgulha-se de ter contribuído para isso ao votar favoravelmente a ignóbil "emenda 138".

Não sei se o Sr. Eurodeputado alguma vez procurou informar-se sobre e estado actual da indústria no seu País, mas se não se informou à priori de votar, vou então facultar-lhe alguns números agora:

Se vir este gráfico, com dados da Associação Fonográfica Portuguesa, vai reparar que no ano de 2000, altura em que a internet começou a surgir com alguma força, os discos vendidos representaram 100 Milhões de euros. No ano de 2007, com a banda larga já confortavelmente instalada num número muito significativo de lares nacionais, as vendas foram de 40 Milhões de euros. As contas são fáceis de fazer, as vendas de discos desceram 60 % em 7 anos. Obviamente os postos de trabalho tiveram que levar uma quebra na mesma proporção, como pode ler nesta carta redigida por várias entidades e enviada ao Sr. Ministro da Cultura. Já o mercado do aluguer do vídeo sofreu uma queda de 24% num espaço de 5 anos. E a tendência é, obviamente para piorar. Os ISPs continuam a oferecer cada vez maior velocidade de downloads e, sobretudo, tráfegos ilimitados para que o consumidor possa estar à vontade para tirar tudo o que quiser da internet.

É obvio que isto vai rebentar, claro que a produção vai baixar necessariamente e que cada vez vão aparecer menos talentos na música, que vão surgir menos filmes e os que vão aparecer vão se limitar a grandes blockbusters, filmes artisticamente nulos mas com risco comercial diminuto.

A única réstia de esperança estava no famoso "Acordo Olivennes" e na Lei "Criação e Internet" francesa, uma medida que seria um verdadeiro balão de oxigénio para todos os que dependem da indústria do entretenimento mas que a emenda 138 do Pacote Telecom irá aniquilar por completo.

Escrevo-lhe esta carta aberta não porque o senhor deputado tenha especial responsabilidade na aprovação da emenda, provavelmente limitou-se a fazer aquilo que o seu partido o mandou fazer, mas por aquilo que escreveu na sua página de internet.

Diz o senhor deputado, a dada altura do texto: "[...]para responder mais especificamente à questão do "three strikes and you're out", gostaria de esclarecer que considero excessivo e desproporcionado este tipo de medidas. Não tanto por fundamentos de carácter técnico, mas sim por motivos meramente ideológicos."
Senhor deputado, ainda não o ouvi dizer que acha excessivo e despropositado que alguém que cometa uma contra ordenação muito grave fique inibido de conduzir. Se alguém dá mau uso a um bem que possui, seja ele a internet, uma licença de condução ou outra coisa qualquer, não lhe parece lógico que fique limitado no uso desse mesmo bem? Como pode o senhor, e os deputados que votaram no mesmo sentido que o senhor, achar excessivo que alguém fique, temporariamente, inibido de usar a internet depois de ter sido notificado para parar de fazer downloads/uploads ilegais não uma, não duas, mas três vezes? Claro que a pergunta seguinte impõe-se: Então o senhor deputado acha excessivo e desproporcionado que a pessoa fique sem internet depois de ignorar 3 vezes os avisos para que pare com esse comportamento, mas então o que acha da lei actual? Sim, porque actualmente a lei considera este comportamento um crime, cuja moldura penal vai até 3 anos. Isso já lhe parece bem? Cadeia sim senhor mas, bolas, não lhe cortem o acesso à Internet. Com o devido respeito, não faz sentido.

Continua o senhor deputado: "Com efeito, considero que os princípios da privacidade dos utilizadores e dos direitos de autor devem prevalecer, podendo apenas serem restringidos num enquadramento legal claro. Assim, partilho da posição que apenas uma decisão judicial pode bloquear de forma definitiva o acesso à internet."
Confesso que aqui o senhor deputado conseguiu baralhar-me. Em que medida em que o facto de só uma decisão judicial possa justificar um corte de acesso à internet defende seja de que forma for os direitos de autor? A "emenda 138" despreza em toda a linha os direitos de autor ao inibir os seus titulares de poderem defender esses direitos da única forma eficaz.

Diz ainda o senhor deputado: "Concordo com uma autoridade nacional responsável pela gestão de rede e, porque não, com poderes para enviar um aviso ao utilizador que alegadamente estiver a retirar conteúdo protegido por direitos de autor da internet, mas sem deter o poder de cortar unilateralmente o acesso."
A subtileza do seu "porque não" toca-me. Vá lá, já que as pessoas pilham despudoradamente os conteúdos artísticos de outros, ao menos que levem na sua caixa de E-Mail com uma mensagem a dizer-lhes que aquilo não se deve fazer. Mais que isso é que não, a menos que o Tribunal o diga. O senhor deputado quer mesmo ir por aí? Tem a ideia dos números? Portugal ainda não estudou o tema, mas em França a empresa Gfk chegou a estes números: Em 2007 foram descarregados 833 280 000 ficheiros de música, e 235 200 000 filmes protegidos por direito de autor. Mais, diz a "ALPA", (se não acreditar leia aqui) que em França são descarregados, actualmente, uma média de 450 000 filmes por dia. Ora, fazendo uma conta aritmética, se a França tem cerca de 60 Milhões de habitantes, vamos dividir aquele número por 6 e teremos um número aproximado do número de filmes descarregados por dia em Portugal: 75 000. O senhor deputado acha que intentar 75 000 queixas crime ou de pedido de corte de internet todos os dias é a forma mais eficaz de lutar contra a pirataria? Acha que os Tribunais já não estão suficientemente inundados? Acha mesmo exequível?

É lamentável que alguém, no caso o Sr. Sarkozy, tenha mergulhado no problema e tenha encontrado a fórmula ideal de resolver o problema de forma eficaz e razoável e que a Comissão Europeia venha agora destruir o trabalho meritório do Presidente Francês sem, sequer, apontar o caminho da resolução do problema.
Resta-nos o consolo que, efectivamente, um dia a pirataria vai acabar. Quando não houver mais nada para piratear, a pirataria acaba, e esse dia está mais próximo do que aquilo que o senhor imagina.

Nuno Pereira

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